terça-feira, 15 de novembro de 2011

EMANCIPAÇÕES EM TEMPOS DE “MUDANÇAS DE CÓDIGOS”, PENSAR E AGIR DESDE A AMAZÔNIA CONTINENTAL[1]

Elder Andrade de Paula

Agradeço aos organizadores desse evento por brindarem-me com a oportunidade de participar desse esforço coletivo no sentido de pensar e agir em busca de “outros mundos”, que tenham como finalidade comum a superação da civilização capitalista e seu legado de destruição, exploração e violência permanente. Há pouco mais de dez anos, essa região do sudeste do Pará figurava como um espaço “privilegiado” para dimensionar a marcha destrutiva do capital na Amazônia e seu rastro de crimes contra os povos indígenas e camponeses na região. Hoje (2011), pode-se dizer que esse “privilégio” foi perdido, porque essa marcha destrutiva se expandiu por toda Amazônia, em escala continental, na busca das grandes corporações por matérias primas e energia para dar continuidade à acumulação capitalista incessante em nível planetário.

Leituras apressadas e “dogmáticas” desse processo em curso na Amazônia tendem a “naturalizá-lo”, tratando-o como resultado previsível da expansão do domínio do capital sobre todo o globo terrestre, portanto, não haveria nada de novo no “pedaço”. Em decorrência desse tipo de interpretação, o pensar e agir em perspectiva emancipatória acaba por, via de regra, a reiterar a imprescindibilidade dos instrumentos e estratégias utilizadas pela classe trabalhadora no curso da luta de classes, mormente aqueles desenvolvidos no decorrer do século XX. Em alguns casos, se reconhece a necessidade de “incorporar” as dimensões extra-classes (em razão da emergência de outros sujeitos sociais portadores de demandas não vinculados diretamente ao “mundo do trabalho”) nessas estratégias, todavia, quase sempre em perspectiva instrumental.

Em outras palavras, ao contrário daqueles que sugerem que dispomos de “bons diagnósticos”, carecemos de “teorias” para responder a altura os desafios contemporâneos das lutas emancipatória, acreditamos que padecemos de insuficiência em ambos, agravados por certa resignação com as contingencias do real. A seguir procuraremos aclarar o que estamos querendo dizer com isso e sua relevância para pensar e agir em perspectivas emancipatórias. Os argumentos aqui mobilizados estão referenciados majoritariamente em uma Pesquisa que finalizamos recentemente intitulada “Entre ‘santas’ e ‘diablos’ na Amazônia: desafios da resistência camponesa e indígena na era do capitalismo verde”.

Na referida Pesquisa, nos propusemos a investigar e analisar as principais iniciativas externas voltadas para a homogeneização do processo de espoliação das populações camponesas e indígenas na Amazônia Sul Ocidental, bem como a re-territorializão capitalista daí decorrente. Trata-se de um processo movido por forças representantes de interesses aparentemente contraditórios: de um lado, petroleiras, mineradoras, madeireiras, agro e hidronegócios, corporações ligadas a biotecnologias e, de outro, ONGs ambientalistas atuantes em redes que as articulam em diferentes escalas. Na produção midiática comprometida com a ideologia do “desenvolvimento sustentável” esses conflitos são abordados como resultado do confronto entre as forças do “bem” e do “mal”, isto é, de um lado, os que defendem o dito “desenvolvimento sustentável” e, de outro, os que mantêm a lógica da produção destrutiva. Nesse tipo de construção, a “única alternativa” que se apresenta para as populações camponesas e indígenas é a de se unirem as “forças do bem”. O problema é que ao adotarem esse procedimento ratificam a atualização do domínio colonial e renunciam implicitamente a qualquer perspectiva de emancipação. Logo, o principal desafio das lutas de resistência em perspectivas emancipa tórias, reside em escapar desse enganoso dualismo e conquistar espaços de autonomia para pensar e agir “mirando” a construção de “outros mundos” capazes de superar os legados da civilização capitalista e construir modos de “viver bem” para todos.

Dada a brevidade desse texto, que tem como finalidade apresentar uma síntese antecipada da fala apresentada no Evento, não será possível expor de forma mais detalhada os fundamentos da afirmativa supra. Desse modo, optamos por apresentar alguns pontos essenciais que a consubstanciam, passemos a eles a seguir.

1 ) Como bem o adverte Merino[2], antes de dizermos que é preciso transformar o capitalismo, é necessário entendermos quais são as forças e debilidades do caso analisado - não somente em termos “puramente econômicos”, mas também os padrões culturais, as inércias, as tradições, as capacidades dos atores de apropriar memórias para construir futuros - que interferem em distintos contextos. Sob este ângulo, ao analisarmos a expansão do capitalismo na Amazônia continental como um todo no período recente não o vê como mera repetição e ou continuidade do seu curso histórico. Procuramos ao contrário, vislumbrar os traços que por ventura possam sinalizar as adaptações que promove nesse contexto específico no sentido assegurar o prosseguimento da espoliação..

2) Entre esses traços que marcam a expansão do capitalismo na Amazônia continental no período recente (virada do século XX para o XXI), destacaríamos três como fundamentais:

a) A existência de uma matriz referenciada nas adaptações voltadas para “esverdear o capitalismo”, denominado pela ONU como “economia verde”, que re-desenhou de forma substancial a re-territorialização do capital nessa região para fins de apropriação dos bens naturais nela existentes. Além das reformas de cunho neoliberal impostas aos diferentes estados e do aparato mobilizado para construção de hegemonia em torno do capitalismo verde (onde Banco Mundial, USAID e as grandes ONGs ambientalistas internacionais associadas a vastas redes de ONGs locais passam a ter papel crucial), houve ainda uma intensificação da presença militar estadunidense em zonas estratégicas para o controle desse território;

b) Essa matriz foi pactuada no âmbito das nações que formam o hegemon imperialista mundial, sob a batuta dos Estados Unidos da América, no momento (pós queda do bloco liderado pela URSS em 1989) em que este país figurava como portador de poder incontrastável no planeta;

c) A erupção em 2008 da crise financeira nos países centrais, a emergência da China como grande potencia mundial e suas repercussões nas disputas por apropriação de reservas de matérias primas em zonas estratégicas, como as existentes na Amazônia e no caso latino-americano, a eclosão de revoluções (Venezuela, Bolivia e Equador) que contestaram o hegemon estadunidense, o aumento da influência do Brasil no continente, tornando mais visível aquilo que Ruy Mauro Marini (1976) denominou como sub-imperialismo, acabaram por “perturbar” essa re-territorialização do capital recém instituída na Amazônia.

3) Tomando como ponto de partida esses traços gerais da expansão do capitalismo na Amazônia continental no período recente, podemos constatar que as lutas de resistência camponesa e indígena se deparam com desafios de outra magnitude, que escapam a esfera de domínio dos respectivos Estados nacionais. Antes de cairmos na tentação de derivar daí a necessidade de forjar alianças e estratégias de lutas de resistência também nessa escala, faz-se necessário analisar de forma mais cuidadosa as distintas dinâmicas que configuram e re-configuram as relações de poder nesses vastos e diversos territórios amazônicos.

4) Para os fins sugeridos nesse diálogo aqui no Sudeste do Pará, nos deteremos no caso da Amazônia brasileira. Em um slide de fechamento da apresentação dos resultados do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais-PPG7[3], aparece uma emblemática afirmativa: “Um programa mudou a forma como lidamos com as florestas tropicais no Brasil” (http://www.slideshare.net/Myris/ppg7-nazar-soares).

A primeira vista parece uma frase ufanista de efeito, contudo, ao refletirmos sobre os significados do referido Programa, à luz da matriz que mencionamos anteriormente, perceberemos que a conclusão é modesta. Em realidade, o PPG7 concorreu efetivamente não só para orientar as políticas e estratégias voltadas consubstanciar a re-territorilização do capital, mas também, para pautar o modo de pensar a Amazônia brasileira. Esse logro pode ser explicado graças ao monumental aparato de construção de hegemonia que mobilizou desde a sociedade política as mais diversas representações da sociedade civil (de organizações indígenas e camponesas até grandes grupos empresariais)[4] para formar um consenso em torno do capitalismo verde como “única alternativa”.

As querelas que envolvem atualmente as tramas em torno das mudanças no Código Florestal brasileiro (tramitando agora no Senado) poderiam sugerir que a rigor esse consenso em torno do capitalismo verde se assentaria sobre “pés de barro”, dado que estaria prevalecendo, até o momento, os cânones da “economia marrom”[5] nas modificações propostas. Todavia, fazemos uma leitura oposta: o vigor do consenso em torno do capitalismo verde é colossal, uma vez que é em torno dos seus postulados essenciais que gravitam as contraposições as mudanças no Código Florestal. Ademais, o aparato midiático construiu uma imagem de que as “batalhas no Congresso Nacional” resultam de diverg6encias entre “setores produtivos” e ambientalistas”. Entre as diversas implicações perversas dessa construção, está o fato de tratarem a classe ociosa como produtiva ( patronato rural e setor financeiro a ele associado) e as classes que trabalham e realmente produzem, como ociosas e invisíveis sob o manto do ambientalismo.

Outro dado relevante a ser considerado é o fato da bancada ruralista ter contado na Câmara dos Deputados com o apoio majoritário da esquerda governista. Além do PCdoB, a maioria da bancada do PT votou com os ruralistas. Apesar de esse fato ter causado indignações isoladas, como se fosse um “ato de traição”, em realidade, trata-se tão somente de um passo mais a direita, previsível, aliás, para quem prestou atenção nas alianças eleitorais do último pleito. Depois de aliarem-se com as oligarquias comandadas por Barbalho no Pará, com Sarney no Maranhão, só para mencionar os casos mais emblemáticos, poderíamos esperar “algo melhor” desses “companheiros” que se aliaram com a bancada ruralista?

Pensar e agir em perspectiva emancipa tória desde a Amazônia, requer portanto, monumentais esforços no sentido de decifrar essas “mudanças de códigos” em curso no capitalismo em geral e na sua forma específica de expansão na Amazônia. Pari passu necessitamos a partir desses esforços atualizar também os “códigos” das lutas de resistências, o que implicará necessariamente em adotar atitudes ousadas e corajosas no sentido de construir espaços de autonomia capazes de abrir novas trincheiras que se projetem para além da domesticação imposta pelos mecanismos de “representação” vigentes. É bom que se lembre, que esses caminhos já vem sendo trilhado há algum tempo em “Nuestra América”, se ainda não tem ponto de chegada, pelo menos tentam encontrar pontos de saída para as lutas emancipatórias.....

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[1] Artigo publicado no “Caderno de Textos” da 5ª Conferência Regional de Educação do Campo do Sul e Sudeste do Pará realizado em Parauapebas no período de 19 a 22 de outubro de 2011. Esse artigo serviu como um roteiro para uma palestra no referido evento.

[2] MERINO, Hugo, Z.(2010) Mas Allá de la modernidade capitalista: visiones alternativas I Ciclo de Seminarios Internacionales : Pensando el mundo desde Bolivia. Vice Presidencia Del Estado Plurinacional de Bolivia, Presidência de la Asamblea Legislativa Plurinacional. La Paz.

[3] Com financiamento do “Grupo dos 7”, União Européia e Países Baixos, esse Programa é gerenciado pelo Banco Mundial, através de um fundo criado para essa finalidade o ”Rain Forest Trust Fund”. Foi instituído pelo governo brasileiro em junho de 1992 e começou a ser implantado em 1995, finalizando oficialmente em 2009. Foram investidos um total de U$ 519 milhões, sendo U$ 463 milhões dos “doadores externos” e U$ 53 milhões provenientes do governo brasileiro. Deve-se ressaltar que as pretensões iniciais eram para incluir toda Amazônia Continental (http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/091204_sembiodnazare.pdf)

[4] A formação do “Fórum Amazônia Sustentável” materializa essa “concertación”. Sua Comissão Executiva é composta por 15 organizações: Agropalma; Conselho Nacional de Seringueiros (CNS); Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab); Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn); Fundação Avina; Fundação Orsa; Grupo de Trabalho Amazônico (GTA); Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social; Instituto Centro de Vida (ICV); Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon); International Finance Corporation (IFC); Instituto Socioambiental (ISA); Projeto Saúde e Alegria (PSA); Vale; Wal-Mart Brasil. E-grupo: fascomexecutiva@grupos.com.br;(http://www.forumamazoniasustentavel.org.br/v3/instancias.php)

[5] De acordo com o Relatório da ONU que mencionamos anteriormente, o termo “economia marrom” é utilizado para designar o “desenvolvimento capitalista convencional” avesso às preocupações com a degradação ambiental.

FONTE: Blog Insurgente Coletivo

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